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27 de outubro de 2014

Voos e sinos e misteriosos destinos (Emma Trevayne)



Voos e sinos e misteriosos destinos, de Emma Trevayne, traz uma história ambientada na Londres vitoriana e apresenta o leitor a Jack Foster, um garoto de 10 anos que sonha com o momento em que viverá suas aventuras.

Com um pais ausentes, sempre ocupados com o trabalho ou jantares para os vizinhos, Jack vive sempre isolado e sob os cuidados da Sra. Pond, a governanta, ou em um colégio interno. Se sentindo muito solitário, Jack tem sempre a impressão de que a mãe não o ama e não tem muita paciência para ele, sempre o castigando quando ele escutava suas conversas escondido.

Um dia, escapando da Sra. Pond, Jack resolve seguir o estranho espiritualista de sua mãe por Londres e acaba descobrindo uma porta mágica no Big Ben. Curioso, o menino atravessa a porta e vai parar em uma Londres alternativa, cheia de engrenagens, fuligem e poluição. Londinum, como é chamada a cidade, é a capital do império da Senhora - uma mulher eterna e temperamental que está sempre à procura de um filho para mimar -, habitada por fadas, pássaros e bonecas mecânicas e pessoas que, para respirar, precisam ter seus corpos transformados com a inserção de metais.

Apesar de não achar o enredo de Voos e sinos e misteriosos destinos muito original, gostei da maneira como a autora conduziu a história. Londinum é um lugar que, mesmo sujo, me despertou o fascínio, tanto por sua peculiaridade, quanto por seus personagens excêntricos. 


Jack Foster é um garotinho esperto e curioso, de fácil identificação por parte do leitor. Apesar de ser o herói da história, não é difícil condená-lo por muitas de suas ações. Jack pode ser teimoso, egoísta e sem ambição. É um personagem bastante humano e, por isso, também muito realista. Seus amigos de Londinum - dr. Cataplasma, a boneca Beth e Xeno - foram responsáveis por me fazer rir durante a leitura, e também por me deixarem interessada pelo cenário steampunk e fantasioso criado por Trevayne. 

Os vilões também tem seu brilho. A Senhora, rainha de Londinum, é uma mulher de temperamento oscilante e cheia de caprichos. Seu império enfrenta uma ameaça de guerra - ou pelo menos é o que ela acredita estar acontecendo -, mas ela vive alienada e desesperada para ter um novo filho. Por ter vivido milhares de anos em um mundo onde as pessoas precisam ser modificadas para sobreviver, a Senhora sempre busca um filho perfeito, 100% humano, vindo do nosso mundo. Quando este cresce, ela o descarta e vai atrás de uma nova criança. Seu principal servente, Sir Lorcan consegue ser ainda mais assustador que ela. Praticante de magias malignas, Lorcan é capaz de tudo para agradar a senhora, seja sequestrar uma criança, seja matar muitos inocentes para conseguir essa criança.

A narrativa da história é feita em terceira pessoa e de uma forma bastante acessível e divertida, com um pouco de humor e ironia. A edição publicada pelo selo Seguinte traz ainda algumas ilustrações feitas por Glenn Thomas que captam a atmosfera da história sem impedir que a imaginação do leitor trabalhe. Elas também me lembraram do trabalho de Wesley Rodrigues na edição de O Circo Mecânico Tresaulti, publicado pela DarkSide.

Como mencionei acima, não achei o enredo do livro muito original, e a criatividade ficou por conta da ambientação. Por se tratar de uma história para crianças, dá para afirmar que o livro tem aspectos mais sombrios e até traz momentos pesados. Nada impossível de ser compreendido por uma criança, claro. A princípio, o leitor é conduzido por uma narrativa de apresentação do universo fantástico, porém, aos poucos, a história começa a tomar um rumo e mistérios começam a surgir, deixando tudo mais interessante.

Mesmo com a previsibilidade, a leitura foi agradável. A única ressalva que faria é a respeito da superficialidade de alguns personagens. Enquanto lia, aguardava para descobrir algo a mais sobre a Senhora, por exemplo, ou a mãe de Jack; mas ao chegar ao final, algumas dúvidas permaneceram. Não acredito que essa superficialidade seja um empecilho e até acho que a autora deixou as coisas assim intencionalmente. Acredito que, por eu não ser mais o público alvo desse tipo de livro, acabo esperando uma profundidade típica de livros mais adultos, o que não faz sentido algum neste caso, porque é um livro infantil e muito deve ser deixado para a imaginação. Ainda assim, acredito que Voos e sinos e misteriosos destinos seja uma ótima leitura para aqueles com idade entre 8 e 12 anos, ou aqueles que gostam de histórias infanto-juvenis. Leitura recomendada!

8 de outubro de 2014

A Máquina do Tempo (H.G. Wells)


Publicado em 1895, A máquina do tempo, de H.G. Wells, é considerado o primeiro romance de ficção científica a abordar o tema de viagem no tempo. Tendo início em uma residência localizada na Londres vitoriana, a história traz um grupo de homens renomados - médico, jornalista, advogado, etc. - reunidos para um jantar à convite de um conhecido, chamado apenas de "O viajante do tempo".

Após ser indagado sobre os motivos que levaram ao convite para o jantar, o viajante explica que construiu uma máquina capaz de se mover pela quarta dimensão, a dimensão do tempo. Os convidados se mostram incrédulos a respeito do que acabaram de escutar, assim, o viajante resolve provar, viajando para o futuro e voltando para contar o que viveu.

Chegando ao ano 801.702, o viajante no tempo entrará em contato com um novo mundo e com uma nova espécie humana, dividida em duas: os pacíficos Eloi e os temidos Morlocks. Convivendo com os Eloi, ele irá refletir sobre os avanços da ciência e da tecnologia e tentará entender o que levou a humanidade a chegar àquele ponto.

A leitura, de uma forma geral, foi bastante interessante e envolvente. Surpreendentemente, consegui escapar ilesa de spoilers relacionados à história, de forma que pouco sabia sobre o enredo. Logo, fui sendo, aos poucos, conduzida por H.G. Wells em sua história de aventura no futuro.

Gostei da possibilidade de acompanhar um homem da ciência do século XIX entrando em contato com um mundo do futuro e completamente diferente daquele com que estava acostumado. Lendo A máquina do tempo percebi que mesmo após dois séculos, ainda vivemos o reflexo do que foi o século XIX; tudo bem que os avanços tecnológicos e científicos já atingiram um outro patamar, mas ainda assim, consigo enxergar o homem do século XXI como uma continuidade do que foi o homem do século XIX. Assim, o livro de H.G. Wells, apesar de antigo, continua bastante atual. E essa é a grande maravilha dos clássicos. 

O livro é pequeno, por isso, não entregarei muito do enredo. Gostei muito das descrições de cenários do futuro, como os locais onde os Eloi e os Morlocks vivem. Através dos olhos do viajante, o autor conseguiu fazer com que eu sentisse um estranhamento em relação ao mundo do futuro, tentando entender essas duas espécies derivadas da humanidade e como viviam. Há uma atmosfera de mistério na história e quando finalmente compreendi o que estava acontecendo, fiquei surpresa e me envolvi ainda mais com a leitura.

A narrativa, feita em primeira pessoa e por dois personagens, é bastante fluida e traz descrições de cenários na medida certa. O único porém que poderia ser feito neste aspecto é a forma superficial com que o autor conta a história. O livro foi o primeiro trabalho de Wells, que foi bastante criticado por - vejam só! - Jules Verne por não ter apresentado uma base científica em sua história. O viajante construiu uma máquina do tempo e ficou por aí mesmo, o leitor que imagine o procedimento que ele utilizou em sua experiência. Para mim, este ponto em particular não incomoda, visto que não sou uma pessoa muito...científica. Ainda assim, gostaria de ter encontrado maiores explicações relacionadas aos Eloi e Morlocks e sua forma de "governo"; gostaria de ter compreendido melhor o que levou a humanidade a chegar até ali.

Mesmo com estes pontos que podem ser considerados negativos para alguns leitores, o livro me proporcionou várias reflexões acerca do ser humano e o seu futuro. Me fez pensar em como estará o planeta daqui a milhares de anos, se os humanos ainda serão a espécie dominante e, se sim, se teremos avançado ainda mais ou regredido à um ponto primitivo. E se não estivermos mais aqui, como seria a espécie dominante? O autor também aproveita para tratar, ainda que de forma sutil, sobre a questão da luta de classes, bastante recorrente desde o século XIX. Ao concluir, percebi que o autor não tinha uma visão muito otimista a respeito da humanidade.

De forma geral, gostei da leitura de A máquina do tempo, uma história de aventura que me fez pensar em algumas questões. É um livro agradável, rápido de ler e recomendado à todos os que gostam de histórias sobre viagem no tempo.

2 de outubro de 2014

O Retrato: um romance de obsessão (Charlie Lovett)


O Retrato: um romance de obsessão,  escrito pelo estadunidense Charlie Lovett, é ambientado no ano de 1995 e em uma pequena vila no interior da Inglaterra chamada Kingham. Após a precoce morte de sua esposa, Amanda, Peter Byerly deixou os Estados Unidos se mudou para Kinghan com o intuito de se afastar de tudo e de todos os que o faziam lembrar dela. Ele sofre de ansiedade social e desde os tempos da faculdade, quando começou a namorar Amanda, ela se transformou em sua proteção, fazendo com que o ato de se relacionar com outras pessoas se tornasse menos assustador.

Peter é apaixonado por livros, em especial aqueles que são considerados raros, como primeiras edições ou aquelas que pertenceram a pessoas renomadas. Ganha a vida procurando este tipo de livro, com a intenção de restaurá-los e vendê-los a colecionadores ou doá-los à bibliotecas. Antes de conhecer Amanda, os livros eram o seu refúgio e buscava neles uma forma de não precisar interagir com outras pessoas.

Decidido a retomar a sua vida e a seguir os conselhos de seu terapeuta, Peter visita uma pequena livraria de livros usados com a esperança de encontrar alguma raridade. Entre as estantes, ele encontra uma edição antiga de um livro sobre falsificações das obras de William Shakespeare, mas o que realmente o surpreende é uma aquarela que estava escondida dentro do livro. A pintura, claramente datada do período vitoriano, traz uma mulher muito parecida com Amanda.

Surpreso e intrigado, Peter decide descobrir a origem da aquarela e suas pesquisas o levarão mais longe do que ele jamais poderia imaginar. Em sua busca por pistas sobre o paradeiro do enigmático pintor da aquarela, Peter se encontrará no centro de uma investigação histórica: o mistério do "Pandosto", livro de Robert Greene cuja primeira e edição teria inspirado William Shakespeare a escrever a peça "Conto de inverno" e na qual o dramaturgo teria feito diversas anotações nas margens.

Por meio de uma história que mistura mistério, suspense, romance e drama, Charlie Lovett conduz o leitor por uma viagem no tempo, começando pelas décadas de 1980 e 1990, visitando as eras elisabetana e vitoriana e apresentando personagens históricas. O resultado é um romance marcado pela presença dos livros e pela obsessão daqueles que os amam. 

***
Primeiramente, preciso dizer que Charlie Lovett sabe conduzir uma história. A narrativa em terceira pessoa é dividida em três partes que se intercalam, de forma que a cada fim de capítulo um leitor é presenteado com um gancho, o que faz com que seja praticamente impossível largar o livro até chegar ao desfecho.

Além de acompanharmos a vida de Peter Byerly em 1995, tentando superar a perda de sua esposa e tentando compreender a origem da aquarela, somos levados também aos anos 1980, quando Peter ainda estava na faculdade; assim, podemos descobrir como ele e Amanda se conheceram e compreender como ela era importante para ele. É nesta parte da narrativa que somos apresentados à paixão de Peter, os livros raros, e temos acesso a várias informações verdadeiras sobre colecionadores e falsificadores. 

Também acompanhamos uma terceira narrativa que não traz nenhum protagonista em particular, a não ser o "Pandosto". Assim, o leitor acompanha a trajetória do livro desde os anos 1500 e pouco, quando este chega às mãos de Shakespeare, até o período da Era Vitoriana, quando se tem o último registro do paradeiro do livro. A partir desta narrativa, somos apresentados à diferentes figuras históricas, como o próprio Shakespeare e o famoso colecionador Robert Cotton.

O enredo, apesar de envolvente, foi, para mim, um tanto previsível. Antes de chegar ao desfecho, já havia descoberto o mistério da aquarela e o do Pandosto. Mas isso, de forma alguma transformou a leitura em algo enfadonho. Acredito que tenha descoberto o final antes por já estar familiarizada com o gênero de investigações. De qualquer forma, como o livro traz elementos de diferentes gêneros, foi impossível me prender apenas ao mistério, de forma que, antes que me desse conta, já estava apegada à história do protagonista e seus dramas particulares. Ainda no que diz respeito a previsibilidades, preciso avisar que o livro é recheado de clichês que vão desde frases de impacto manjadas até um ~romance~ com uma coadjuvante feminina que surge no meio da trama.

Gostei muito da forma como Peter é apresentado, surgindo como um sujeito introspectivo e com dificuldades de relacionamento, mas que, aos poucos, começa a se transformar. Neste aspecto, posso afirmar que o autor fez um ótimo trabalho de desenvolvimento de personagem, já que ao final do livro Peter não é mais o mesmo do início. Quanto aos demais personagens, não sei se posso dizer o mesmo, já que todos parecem ser meros coadjuvantes na trama. Até o "vilão" da história é meio...nebuloso. A única exceção talvez seja Amanda, que nos é apresentada tanto pelo narrador - nos flashbacks dos anos 1980 - quanto pela perspectiva de Peter, que constantemente conversa com ela e imagina como seriam as suas respostas ou comportamento em relação a suas atitudes. 

Apesar do livro trazer uma trama com mistério e suspense, não diria que o livro tem um desenrolar rápido. Ao contrário do que acontece com os livros de Dan Brown, por exemplo, em que os protagonistas passam por situações extremas e de correria contra o tempo em poucos dias, em O retrato as coisas ocorrem em um ritmo mais normal, sem muito desespero, e a ação propriamente dita só aparece no final. Acredito que ter ambientado a história na década de 1990 contribuiu para esse andamento mais tranquilo da narrativa, afinal, Peter é old school e realiza suas pesquisas em bibliotecas e por meio de ligações telefônicas. Gostei de poder lembrar, ainda que de forma breve, como era a vida antes do Google e dos smartphones. 

No fim, mesmo com alguns aspectos que podem ser considerados um empecilho para alguns leitores, eu gostei de "O retrato". Não acho que Charlie Lovett tivesse qualquer pretensão de escrever a mais nova obra-prima do século XXI, mas sim um livro envolvente, que servisse como um bom entretenimento e que acabasse por deixar o leitor curioso em relação aos universos que ele apresenta: o dos colecionadores de livros raros e o das peças de William Shakespeare. No meu caso, afirmo que o autor foi bem sucedido, principalmente no que diz respeito as obras do Grande Dramaturgo! Já separei algumas de suas peças para leitura nos próximos meses.

Assim, com as devidas ressalvas feitas, fica aqui a minha recomendação de um livro divertido e com cara de filme para assistir em um domingo à tarde, acompanhado por um balde de pipoca e um copão de Cola-cola. 

Em termos físicos, a edição feita pela Novo Conceito está bem caprichada. O livro traz as amadas páginas amarelas que não cansam a vista e um ótimo espaçamento entre as linhas. Ah, as letras estão de bom tamanho também. Como disse, fisicamente falando, tá de parabéns.

O problema ficou mesmo por conta da revisão, que deixou passar alguns errinhos. Não são muitos e, em sua maioria, são erros de digitação - duas vezes a mesma letra ou palavra, travessão fora de lugar, falta de espaçamento entre ponto final e início de frase -; mas fiquei um tanto chocada com o erro de concordância verbal ("Aquelas partes dele estava congeladas;...". - Página 388, quarta linha), que ainda quero acreditar que foi um erro de digitação. Como o livro é um lançamento recente, espero que a Novo Conceito melhore a revisão para uma segunda edição.