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26 de setembro de 2018

Um milhão de finais felizes (Vitor Martins)



Sabe aquela sensação gostosa de conforto que só um banho quente ou uma colherada de brigadeiro de panela podem proporcionar? Pois foi exatamente a sensação que que tive ao Um milhão de finais felizes, de Vitor Martins, lançado este ano pelo Globo Alt.

Aqui conhecemos Jonas, um jovem que está meio perdido e não sabe muito bem o que fazer com sua vida depois que terminou o Ensino Médio. Ele quer ser escritor e anota todas as ideias de histórias que parecem ótima em um caderninho de bolso que está sempre ao seu alcance. 

Um dia, durante o seu turno de trabalho no Rocket Café, ele conhece Arthur, um garoto de barba ruiva que parece um pirata e lhe inspira a começar a escrever uma história com protagonistas muito parecidos com eles dois. Enquanto tenta entender os seus sentimentos em relação a Arthur, Jonas também precisa lidar com uma família conservadora e que não sabe que ele é gay, além dos desafios de manter as amizades de colégio quando a vida adulta começa a consumir o seu tempo.

A primeira coisa que chamou minha atenção logo que comecei a ler foi o tom descontraído e bem humorado da narrativa, que faz com que Jonas pareça real e acaba por nos aproximar dele. Adorei que, ao mesmo tempo em que há uma leveza em tudo, também há uma dose certa de drama, o que mais uma vez deixa tudo muito real. Ler sobre a relação de Jonas com seus pais foi de partir o coração e saber que essa é a realidade de muitas pessoas é ainda mais doloroso. Outro ponto que merece destaque é a maneira cuidadosa com que o Vitor abordou a religião nisso tudo. Em nenhum momento ele soa ofensivo.

Além de Jonas, os outros personagens também são bem reais. Os amigos do Jonas, Danilo e Karina, são muito cativantes e queria muito que eles existissem. O Arthur é, além de bonito, muito fofo e jamais poderia julgar o Jonas por ficar meio sem reação quando olha para ele (quem nunca?). Ele tem seus próprios dramas e conflitos, que também ganham espaço. 

Os capítulos são intercalados com partes da história que o Jonas escreveu, o que me lembrou um pouco Fangirl, da Rainbow Rowell, e adorei que o Vitor fez isso também. Se eu tivesse que fazer uma ressalva, seria para dizer que queria ler mais sobre Tod e Bart, os piratas bonitões que integram a tripulação do Verloren II. Tomara que os leitores possam conhecer mais das aventuras dos dois. 

Lembro que quando eu era adolescente, não existia essa variedade de livros voltados para o público jovem adulto e fico muito feliz por saber que a literatura jovem cresceu e continua a crescer. E fico ainda mais feliz por saber que a nossa literatura jovem tem essa voz tão única do Vitor e que muitos adolescentes como o Jonas possam encontrar personagens com os quais se identificar e uma história na qual possam se encontrar. Leitura mais que recomendada! 😉

"A gente não tem controle de nada. Mas você não pode deixar essa falta de controle te impedir de viver o agora".

21 de setembro de 2018

O canto mais escuro da floresta (Holly Black)



Descobri O canto mais escuro da floresta enquanto procurava algo que despertasse o meu interesse no catálogo do Kindle Unlimited e, sem muitos critérios além de achar a capa bonita, resolvi arriscar a leitura. E ainda bem que o fiz, porque a experiência acabou se revelando uma das minhas preferidas do ano. Até então, meu único contato com o trabalho de Holly Black havia sido o conto Krampuslauf, um dos meus preferidos da coletânea O presente do meu grande amor, e não demorei muito para perceber certa familiaridade na narrativa, cheia de bom humor e personalidade.

Sem sombra de dúvidas, depois da capa bonita, a primeira característica que me atraiu foi o fato de a autora explorar a mitologia de fadas. Sinceramente, acho que nunca havia lido algo com essa temática, então tudo me pareceu interessante e, ao mesmo tempo, confuso. Aliás, acho válido mencionar que a autora não dedica muito tempo para explicações; sua história acontece em uma cidade em que fadas convivem com humanos, pregando todos os tipos de peças, e todo mundo parece estar bem tranquilo em relação a isso, de forma que o leitor deve simplesmente aceitar essa realidade e não questionar muito as estruturas do universo da história. Basta saber que o povo das fadas vive na floresta próxima da cidade e que, de forma geral, não causa muitos desconfortos para os habitantes. O mesmo não pode ser dito em relação aos turistas.

Há também o mistério do garoto que dorme no esquife no meio da floresta, o que acaba por deixar a história toda com um ar de contos de fadas moderno, porém do tipo que subverte alguns clichês e também é muito mais sombrio do que aqueles que costumávamos ler quando éramos crianças. O que mais gostei em relação ao garoto adormecido é que, enquanto nas histórias infantis a pessoa que dorme só desperta no final, aqui o despertar surge como um "chamado para a aventura", pois é justamente a partir deste momento que Hazel acaba se envolvendo em uma trama cheia de reviravoltas. A narrativa, como disse, é divertida e bastante fluída e Holly Black sabe como conduzir a história de um jeito que prende o leitor do começo ao fim. Ao mesmo tempo em que há linearidade, a autora parece esconder alguns elementos relacionados ao passado dos personagens e só os revela no momento oportuno, criando vários plot twists que me pegaram de surpresa.

Os personagens também são um ponto muito positivo; talvez o mais positivo, na minha opinião. Hazel é engraçada e bastante determinada. Há momentos em que realmente não sabemos o que esperar de suas atitudes e digo isso de um jeito positivo, porque ela é capaz de fazer qualquer coisa se isso significar que aqueles com quem se importa estarão salvos (também achei ótimo que ela não consegue se controlar e sai beijando todo mundo - juro que faz sentido no livro!). Ben, seu irmão, pode parecer mais avoado, mas logo percebemos que ele também é uma caixinha cheia de surpresas - meio inseguro, é verdade, mas sempre disposto a ajudar. Tem também o Jack, melhor amigo de Ben e interesse romântico de Hazel, e confesso que demorei um pouco para ter uma opinião formada a seu respeito e até para entender qual era a dele. Ele é aquele tipo de personagem do qual a gente desconfia (e temos um ótimo motivo para isso também, viu?). Por fim, mas jamais menos importante: Severin, meu personagem preferido do livro todo. Não dá para falar muita coisa sobre ele, pois poderia revelar muito da história; contudo, basta saber que ele é um personagem diferente do que eu esperava, possui um ótimo senso de humor e eu adoraria tê-lo como amigo.
Somos todos suscetíveis ao autoengano quando este nos é favorável.
A única forma de acabar com a tristeza era passando por ela.

De forma geral, adorei a leitura de O canto mais escuro da floresta e tenho apenas duas ressalvas. A primeira delas é em relação ao relacionamento de Hazel e Ben com seus pais. Existem muitas questões não resolvidas entre eles e o livro chega ao fim sem explorar esses aspectos, de forma que ficou parecendo algo meio jogado na história sem muito propósito. A autora chega a apresentar algumas explicações, mas não achei muito satisfatório. A outra ressalva diz respeito ao desfecho, que aconteceu, a meu ver, muito rápido. Não é algo que tenha atrapalhado a compreensão do que estava acontecendo, mas acho que algumas páginas a mais teriam funcionado melhor. O vilão também não me pareceu muito ameaçador e achei um pouco caricato (algo meio "sou mal apenas por ser mal", sabem?), mas como a ideia era contar uma história com ares de contos de fadas, acho que deu certo e não me incomodou. Leitura recomendada!

4 de setembro de 2018

Joyland (Stephen King)



Desde que Joyland foi lançado aqui no Brasil, em 2015 (o livro foi lançado lá fora dois anos antes), fiquei curiosa. Primeiro, porque a capa me intrigou e, julgando por esta única característica, já considerei a leitura bastante válida. Segundo, porque Stephen King é um daqueles autores tão famosos e adorados que em algum momento a gente tem que conhecer, porque a sensação é a de que estamos perdendo algo (na verdade, eu não estava, pois sempre me esqueço de que já havia lido outros dois livros do autor). E, terceiro, porque a história de um parque de diversões assombrado por um fantasma me pareceu irresistível demais para deixar passar.

Demorei, mas finalmente li e o momento não poderia ter sido melhor, o livro virou um dos meus favoritos do ano. Apesar de este não ter sido o meu primeiro contato com o autor, decidi que irei considerar Joyland a estreia de Stephen King na minha vida, já que foi com essa leitura que consegui compreender o porquê de tantos leitores falarem de forma tão apaixonada sobre suas obras.

Quanto ao livro, creio que o primeiro ponto que me atraiu foi a narrativa feita por Devin, que me cativou logo nos primeiros parágrafos e o tempo todo sentia como se estivesse conversando comigo. Além disso, o livro traz algo que eu adoro: personagens que, já com uma idade mais avançada, começam a recordar sua juventude e contam sua história. No caso de Devin, a história do verão em que começou a trabalhar em um parque de diversões e viveu experiências que mudaram sua vida. Assim, acho que posso dizer que o livro tem um quê de coming of age, outra característica a qual dificilmente consigo resistir.
Quando se tem vinte e um anos, a vida é um mapa rodoviário. Só quando se chega aos vinte e cinco, mais ou menos, é que se começa a desconfiar que estávamos olhando para o mapa de cabeça para baixo, e apenas aos quarenta temos certeza absoluta disso. Quando se chega aos sessenta, vai por mim, já se está completamente perdido.

A ambientação também é um fator que contribuiu muito para que eu me envolvesse com a leitura. É tudo muito detalhado - mas sem ser de um jeito excessivamente descritivo -, de forma que conseguia enxergar o parque de diversões, os brinquedos, as roupas dos personagens, etc. Além de sentir cheiros e eu acho incrível quando um livro me proporciona esse tipo de experiência. Os personagens também merecem destaque. Todos são bem reais, até aqueles que poderiam ser considerados mais excêntricos (os que tinham "alma de parque de diversões") são bastante coerentes. E o que falar sobre o Mike? Ele é uma criança muito especial, com uma doçura típica da idade (amei a piada interna com a pipa), mas também uma sabedoria e um jeito de enxergar a vida próprios de alguém muito mais velho.

E aí, temos a assombração no trem fantasma. Antes de ler o livro, eu pensei que fosse encontrar uma história de terror, daquelas com um espírito maligno que não consegue seguir a luz porque deixou algum unfinished business por aqui e, por isso, mata pessoas. Porém, estava redondamente enganada. Aqui não temos uma história de fantasma, mas sim uma história com fantasma. É uma diferença sutil, mas muito importante de se levar em consideração, pois acho que pode interferir na maneira como alguns leitores receberão a história. Há também o mistério do assassinato que nunca foi desvendado, que acaba por conferir ao livro alguns toques de mistério policial. Ou seja, Stephen King realmente não me deu chance para não gostar do livro. Confesso que descobri quem era o assassino um pouco antes da revelação e a reviravolta acabou por não me surpreender, mas isso não foi o suficiente para me fazer gostar menos da leitura. No fim, Joyland foi mais sobre amadurecer e se encontrar do que mistério ou terror, e eu adorei que tenha sido assim. 

Pesquisando sobre o livro e Stephen King pela internet, vi que muitos leitores disseram que o livro, além de ser uma boa porta de entrada para quem quer conhecer o trabalho do autor, também é um retorno dele ao tipo de história que costumava escrever no início de sua carreira. Assim, fico feliz por ter escolhido esse livro para "começar" as minhas leituras do mestre do terror. Se em seu vasto catálogo puder encontrar mais livros como Joyland, ficarei bem satisfeita. Não vejo a hora de escolher o próximo da lista. Ah, leitura recomendadíssima!