Esta experiência reveladora me fez perceber o quão receosa ainda sou em relação aos clássicos brasileiros. Não, a melhor palavra é preconceituosa. É, isso aí, eu, Michelle, tenho preconceito com os clássicos nacionais e isso não faz o menor sentido porque eu adoro ler clássicos, principalmente aqueles escritos no século XIX. Ainda não sei apontar a origem do meu preconceito, mas tudo me leva a crer que boa parte dele surgiu por conta daquela história de leituras obrigatórias (que já discutimos aqui) e daquele hábito horroroso que quase todos nós, brasileiros, temos de sempre olhar para as nossas produções culturais com cara feia e nariz torcido, sempre esperando o pior.
Ao ler Til, percebi que clássicos brasileiros são clássicos como quaisquer outros; têm a sua importância e o seu valor por representarem um povo e um período, sobrevivendo aos séculos até chegarem a nós. É importante saber sobre o passado para que possamos compreender o porquê de sermos como somos e aprender com nossos erros e acertos. Dito isto, através da leitura dos clássicos podemos enxergar o ser humano de outro tempo e analisar as diferenças que sua sociedade tem em relação à nossa. É muito legal perceber que sei um pouco sobre as sociedades inglesa, americana e francesa do passado; mas por que não penso o mesmo quando penso na minha, na sua, na nossa sociedade brasileira?
A Isabella Lubrano, do canal Ler Antes de Morrer, fez um vídeo ótimo questionando o fato de, na maioria dos casos, priorizarmos os livros estrangeiros e apresentando motivos para também lermos literatura nacional. E de todas as muito válidas razões, a que mais dialogou comigo foi a de que quando lemos livros nacionais estamos lendo sobre a nossa realidade, sobre nós, sobre o nosso país. E aí, comecei a pensar com meus botões: de que me adianta entender diferentes sociedades do mundo se não compreendo nem a minha? Isso mesmo, sou brasileira há 25 anos e o que sei do meu país é a realidade de classe média privilegiada de São Paulo. E, obviamente, o Brasil é bem mais que isso.
Por favor, entendam que com isso não quero dizer que todos devem ler todos os clássicos; falo deles porque estão de acordo com o que eu gosto de ler, mas tudo isso se aplica à literatura brasileira em geral. Percebo que hoje - na verdade, acho que sempre foi assim - há um grande prazer geral em falar mal do Brasil e dos milhares de defeitos que este país tem, sempre comparando com a realidade de países de primeiro mundo. Não, nosso país não é perfeito; aliás, está muito longe disso e muita coisa precisa mudar para que consiga chegar perto de outros países. Penso assim: se vamos criticar algo, precisamos tentar conhecer melhor o objeto de nossas críticas. Não basta se basear apenas em algum conteúdo jornalístico tendencioso, ou em correntes mentirosas compartilhadas pelo Facebook e pelo Whatsapp. É necessário se informar e exercer o pensamento crítico.
Não é segredo para ninguém que a literatura ajuda muito no desenvolvimento do pensamento crítico; e mais que entretenimento, ela nos permite acessar o conhecimento. Assim, por meio da leitura dos clássicos nacionais – e dos livros contemporâneos também! -, não só podemos encontrar histórias interessantes e divertidas, mais também entender a História do Brasil e os acontecimentos que levaram ao momento que vivemos.
Escrevi este texto enorme (se você conseguiu chegar até aqui, muito obrigada e meus parabéns!) para tentar explicar que quero valorizar mais a produção cultural brasileira (em especial, a literatura) porque ela é um retrato do país e dos cidadãos que nele vivem. Isso significa que vou adorar tudo o que eu ler? Não, afinal de contas não sou obrigada a isso. Mas será muito mais fácil encontrar coisas de que eu goste se me livrar do preconceito e encarar tudo com uma mente mais aberta. Se eu não fizesse isso, jamais saberia que José de Alencar escreveu um livro que me agradaria e quem sairia perdendo seria eu, certo?
Texto originalmente publicado na coluna Literalmente Falando, do blog Literature-se.