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28 de agosto de 2018

Sonho Azul (Sandy & Junior, 1997)

19. O primeiro álbum que você comprou ou ganhou

Tenho 99% de certeza de que o primeiro álbum da minha coleção foi Sonho Azul (1997), de Sandy & Junior, a dupla mais amada deste Brasil; Eu era muito fã dos irmãos, que foram também a minha primeira obsessão musical. Infelizmente, por mais que me esforce, não consigo me lembrar exatamente quantos anos eu tinha quando escutei Sandy e Junior pela primeira vez, mas sei que foi o vinil (!) de Sábado à Noite (1992) da minha prima - depois ela acabou me dando, de tanto que eu escutava. Mesmo gostando das músicas deles desde muito pequena, só fui adquirir (leiam: ganhar de presente dos meus pais) um CD da dupla quando tinha sete anos e me lembro até hoje de toda a situação envolvendo a compra.

A gente estava no litoral, passeando e tomando sorvete, quando entramos em uma loja de CD (saudades das lojas de CD) para comprar um disco de alguma das duplas sertanejas que integravam os Amigos e que a minha mãe queria muito. Enquanto meus pais conversavam com os atendentes, lembro de ter visualizado uma seção infantil, na qual estavam os discos de Sandy e Junior. Não lembro se pedi, ou se estava muito na minha cara, mas meu pai entendeu o recado e disse que tudo bem, eu podia levar um, mas só um, pois CD era muito caro. Aquela foi uma das primeiras vezes em que precisei fazer uma escolha difícil: a capa do Dig-Dig-Joy (1996) era linda, toda cheia de flores amarelas e eu conhecia as músicas; mas o Sonho Azul (1997) era o disco novo e com a exceção de Beijo é Bom, cuja performance eu tinha assistido no Bom Dia & Companhia, era um grande e enigmático ponto de interrogação. Por um lado, havia o frescor da novidade, e por outro, a possibilidade de detestar tudo e ter que escutar mesmo assim para fazer o dinheiro valer a pena. No fim, acabei levando o Sonho Azul tendo como justificativa a nada nobre vantagem de poder me exibir para uma amiguinha do condomínio que sempre tinha os discos da dupla antes de todo mundo.

Perdi as contas de quantas vezes escutei o álbum durante aquele ano e nos anos que se seguiram até a minha adolescência. Creio que de toda a discografia da dupla, Sonho Azul tenha sido aquele que mais reinou no topo de discos preferidos e até hoje consigo compreender o porquê de isso ter acontecido. Não vou mentir, estava com medo de revisitá-lo antes de escrever o post, mas decidi arriscar mesmo assim e que bom que o fiz. Ainda que o disco seja um recorte bem específico da segunda metade dos anos 1990 e reflita sensações adolescentes - completamente justificável, se considerarmos que na época Sandy e Junior tinham 14 e 13 anos, respectivamente -, é um trabalho que envelheceu relativamente bem.

Entre as faixas que são gostosas de escutar, ainda que definitivamente pertençam à uma caixa de recordações, destaco as divertidíssimas Beijo é Bom e Eu Acho que Pirei. Ambas trazem aquele misto de anseio e ingenuidade típicos das primeiras experiências românticas vivenciadas na adolescência. Ilusão e Sonho Azul também trazem um pouco dessa sensação, mas por sempre tê-las considerado um tanto melancólicas, não escutava muito e não tenho muitas memórias afetivas com elas. Felicidade como forNão Abuse de Mim e Mais um tempo para crescer foram faixas que ganharam um novo significado desta vez, já que no auge dos meus sete anos, tinha um total de zero maturidade para compreender a existência de amor próprio e a noção de que há um tempo certo para tudo. Pega Na Mentira e Cê Tá Queimando Meu Filme são as faixas mais "raivosas" do disco, nas quais os irmãos mostram algum tipo de indignação. No primeiro caso, os irmãos chamam atenção para as mentiras que vemos por aí e, ainda que de forma boba, explicam que isso é errado - vale lembrar que eles tinham um público infantil também, né? Já no segundo, Junior está pistola porque tem um outro cara atrapalhando os seus planos e só quer que o sujeito cuide da própria vida. Acho válido ressaltar que aqui temos palavrão censurado com um piiiiiiiiiiiiiiiiii.

Passemos agora para aquelas que não contaram com a gentileza do tempo. Quando falamos de repertório de Sandy e Junior, não podemos nos esquecer das icônicas versões brasileiras para hits internacionais. Algumas deram muito certo e outras não poderiam dar mais errado. É o caso de Como Eu Te Amo (I Will Aways Love You  - sim, aquela da Whitney Huston) -  que nunca soou bem e hoje soa ainda pior -  e Little Cowboy, que tenho certeza de que os irmãos devem fingir que nunca aconteceu. Bee Gees Medley não é necessariamente ruim, mas também não é excelente e, sinceramente, não entendo muito o porquê de estar no álbum. Acho que Pomponeta dispensa comentários e basta saber que é uma Dig-Dig-Joy menos impactante.

Por fim, aquela que é a melhor faixa do disco e, sem sombra de dúvidas, o seu maior legado: Inesquecível. Considerada por muitos fãs como uma das melhores músicas da dupla (e do pop nacional, na minha opinião), aqui temos um bom exemplo de versão brasileira que funcionou super bem. Tão bem que a própria Laura Pausini elogia e de vez em quando canta com a Sandy em encontros promovidos pelo Faustão. O que mais gosto em Inesquecível é o quanto ela soa atemporal, de forma que poderia ser facilmente incorporada nos repertórios de shows da carreira solo da Sandy para sempre.

Hoje penso em Sonho Azul com o mesmo carinho com que penso nas minhas Barbies e clássicos Disney preferidos. Foi uma parte importante do meu passado (especificamente da infância) e crucial para a minha formação.  E ainda que não consiga encaixá-lo na trilha sonora da minha vida atual, gosto de pensar que assim como ocorre quando vejo fotografias antigas, Sonho Azul sempre irá aquecer o meu coração e me transportar para uma época mais tranquila e sem preocupações, na qual sonhar era o bastante.

Our Chemical Hearts (Krystal Sutherland)


Our Chemical Hearts, de Krystal Sutherland, traz a história de Henry Page, um adolescente que está no último ano do colégio e nunca se apaixonou. Enquanto ele imagina que o momento em que conhecerá o grande amor de sua vida será como no cinema, a realidade não poderia ser mais diferente. Grace Town, a nova e misteriosa aluna na turma de Henry, chama atenção por sua aparência desleixada - cabelos bagunçados, roupas masculinas largas e uma bengala.

Após serem escolhidos como editores do jornal da escola, não demora muito para que Henry se aproxime de Grace e perceba que, além de terem muito em comum, também há algo de bastante frágil nela. Intrigado, ele tenta descobrir mais sobre o passado de Grace e, aos poucos, tenta ajudá-la a se encontrar novamente.

A princípio, achei que o livro seria apenas mais uma história em que um garoto se apaixona por uma garota misteriosa - algo como Quem é você, Alasca? e Cidades de Papel, ambos de John Green -  e, de certa forma, foi exatamente isso que encontrei. Contudo, o livro tem sim o seu encanto e alguns aspectos merecem destaque.

Sem sombra de dúvidas, o aspecto que mais me chamou atenção foi a voz de Henry, que é quem narra a história. Apesar de ser um adolescente comum, sua personalidade é bem definida e isso transparece pela forma como ele conversa com o leitor, se utilizando de referências o tempo todo sem soar como algo forçado. Ele quer ser escritor e é possível que isso tenha a ver com a maneira como se expressa. Também gostei de como nessa história é o garoto que quer se apaixonar e cria expectativas sobre como tudo irá acontecer. Não li muitos livros com essa premissa e que tragam a essa perspectiva, então acho interessante destacar.

I'd always been decent at writing, at putting words together. Some people are born with an ear for music, some people are born with a talent for drawing, some people - people like me - have a built-in radar that tells them where a comma needs to go in a sentence.

Grace Town também foi uma grata surpresa ao se revelar como algo muito mais complexo do que uma manic pixie dream girl na história de Henry (a autora, inclusive, chega a brincar com esse estereótipo em um determinado diálogo). O leitor logo percebe que ela traz camadas profundas por trás de todo o mistério e de sua aparência desleixada e, assim como Henry, quer descobrir o que aconteceu com ela para que ficasse assim. 

When I look up into the night sky, I remember that I'm nothing but the ashes of long-dead stars. A human being is a collection of atoms that comes together into an ordered pattern for a brief period of time and then falls apart again. I find comfort in my smallness.

O romance, que acontece de forma natural e em um ritmo coerente, também funciona bem, tendo seu momento de destaque, mas sem tirar o foco de outros aspectos do livro, como alguns personagens secundários e a dinâmica de Henry com eles. Lola e Muz, seus melhores amigos, têm seus próprios conflitos e isso faz com que eles pareçam reais, ao invés de servirem apenas como um elemento na história do protagonista. 

Por fim, o ponto que, para mim, foi o mais interessante: o desfecho. Como mencionei anteriormente, o livro traz uma premissa bastante batida, que já vimos em outros livros, além de filme e séries de TV Porém, a autora soube se utilizar de algo comum para criar uma história que, mesmo sem inovar, tem alguma personalidade. O final do livro foi onde enxerguei melhor essa característica, já que a história poderia seguir por caminhos óbvios, mas acabou me surpreendendo. Tudo se encerra de forma bastante realista e coerente, transmitindo uma mensagem que, penso, ser bastante válida para o público ao qual o livro é indicado. 

Leitura recomendada para aqueles que gostam de livros YA contemporâneos com foco em primeiros relacionamentos e o amadurecimento que esse tipo de experiência pode proporcionar. Se você gosta de ler histórias que aconteçam durante a época de colégio e que abordem temas típicos dessa fase da vida, pode ser que Our Chemical Hearts também seja do seu interesse. No Brasil, o livro foi publicado pela editora Globo Alt.

Love doesn't need to last a lifetime for it to be real. You can't judge the quality of a love by the length of time it lasts. Everything dies, love included. Sometimes it dies with a person, sometimes it dies on its own. (...) Don't mourn a failed love; there's no such thing. All love is equal in the brain.

25 de agosto de 2018

LEITURAS RECENTES: julho & agosto • 2018 | VÍDEO


Mencionados no vídeo:
A química que há entre nós (Krystal Sutherland)
Joyland (Stephen King)
A sutil arte de ligar o f*da-se (Mark Manson)

22 de agosto de 2018

Música para camaleões (Truman Capote)


Publicado em 1980, Música para camaleões foi o último trabalho concluído por Truman Capote. Logo no prefácio, o autor explica que a obra surge como resultado de um longo período de inatividade, ou quase isso, que se seguiu após a publicação de A Sangue Frio (1966), marco do jornalismo literário. Após o estrondoso sucesso de seu romance de não ficção, Capote dedicou os anos seguintes à revisitar textos arquivados com o intuito de utilizá-los em sua próxima obra, ao mesmo tempo em que publicou alguns textos em veículos de comunicação. Contudo, devido ao que ele denomina crises criativas e pessoais, pausou a produção de Súplicas Atendidas (obra que permaneceu inacabada e foi publicada postumamente em 1986) e passou a se dedicar ao que viria a se tornar Música para camaleões.


Dividido em três partes, o livro reúne textos com características do gênero romance de não ficção, pelo qual o autor já se tornara conhecido e traz como diferencial o fato de que ele passou a se inserir na narrativa.

Agora, porém, eu me postava no centro do palco, e reconstituía, com rigor e minúcia, conversas corriqueiras travadas com pessoas do cotidiano (...). Depois de escrever centenas de páginas desse tipo de coisa bem simplória, acabei desenvolvendo um estilo. Tinha encontrado uma estrutura básica em que eu poderia incorporar tudo que sabia sobre a arte de escrever.
(Pág. 17)

A primeira parte, intitulada Música para camaleões, traz seis textos breves que são relatos de encontros e situações corriqueiras - porém com um 'quê' de fabulosas, já que Truman Capote era bem relacionado - vividos pelo autor. De forma geral, o que nos fascina nesses textos é a maneira como ele discorre sobre situações banais e que, aparentemente, não trazem nada de muito interessante. Capote dominava a arte da escrita e o fazia de forma primorosa.  Desta parte, gostei principalmente do texto Uma luz na janela, na qual o autor conta uma experiência que viveu após descer de um carro no meio da estrada durante uma madrugada e precisar contar com a hospitalidade de uma senhora muito simpática que o acolhe em sua casa. Tudo flui como se imagina, até que o desfecho traz uma reviravolta.

Já  a segunda parte, que ficou conhecida como Caixões entalhados à mão, é uma novela que o próprio autor chamou de "um relato de não ficção de um crime americano". Aqui temos uma situação semelhante à de A Sangue Frio, na qual Truman Capote viajou para uma cidade pequena localizada no Oeste dos Estados Unidos com o intuito de acompanhar a investigação de uma série de assassinatos esquisitos e que parecem estar conectados. Particularmente, é a parte de que menos gostei no livro e, sinceramente, não sei até que ponto sinto que valeu a pena ter lido. Meu problema com a novela é que ela assume uns aspectos tão absurdos que só resta ao leitor questionar se o que está relatado ali é não ficção ou apenas ficção. Basta uma pesquisa no Google para perceber que Truman Capote aderiu à criatividade durante a criação deste texto. E tudo bem, acho. A questão é que achei o texto longo e, aos poucos, comecei a perder o interesse pela investigação e por seu desfecho.

Por fim, Relatos por conversação, a terceira parte, vai trazer justamente isso. Ao todo são sete textos, nos quais Capote reproduz diálogos que travou com algumas pessoas. Creio que aqui se encontram os meus textos preferidos de todo o livro: Jardins Ocultos - onde ele retorna à New Orleans, sua cidade natal, e nos sentimos transportados para lá por meio de suas descrições e das conversas que tem com alguns residentes -, E então tudo veio abaixo - no qual ele conversa com Robert Beausoleil, um dos membros do culto de Charles Manson e considerado pelo autor como a chave para compreender o que levou aos crimes cometidos pela "família" - e Uma criança linda - que tem início em funeral em que o autor tem como companhia Marilyn Monroe. Neste último, gostei principalmente da maneira como ele tenta humanizar a atriz, mostrando um lado diferente daquele da femme fatale, do sex symbol e do infeliz esterótipo de "loira burra" perpetuado em muitos de seus filmes.

De forma geral, gostei da leitura de Música para camaleões. Por se tratar de uma coletânea de textos, é complicado formar uma opinião completa sobre o livro, tendo em vista que gostei muito de alguns textos e bem pouco de outros. Ainda assim, considero a leitura válida, principalmente por considerar Truman Capote um excelente escritor, capaz de envolver o leitor com suas palavras. Leitura recomendada!

Então, um belo dia comecei a escrever, sem saber que me acorrentara para o resto da vida a um amo nobre, mas impiedoso. Deus, quando nos dá um talento, também nos entrega um chicote, a ser usado especialmente na autoflagelação.
(Pág. 9)

21 de agosto de 2018

Analisando as estatísticas do meu Last.FM | Boletim Musical #01

De vez em quando, durante madrugadas de insônia, gosto de fazer boletins da minha vida musical lá no Twitter. A atividade é bem simples: basicamente compartilho estatísticas do  meu perfil no Last.FM, enquanto faço alguns comentários aleatórios sobre as descobertas reveladas pelos números de scrobbles. Porém, como nos últimos tempos tenho 1) tentado me desconectar mais cedo e 2) evitado o Twitter, resolvi aproveitar a minha vontade de fazer um boletim para estrear uma nova ~coluna~ no blog. E para que seja uma estreia com estilo, irei me utilizar de estatísticas desde janeiro, assim já posso ter uma prévia do que virá na retrospectiva musical 2018! Assim, sem mais delongas, shall we begin?

ARTISTAS



Seems legit. Está bem coerente com o que tenho escutado e o que achei mais interessante é que a maioria dos artistas na lista já estão na trilha sonora da minha vida há pelo menos dois anos. As únicas novidades são The Weeknd e Shawn Mendes. O primeiro é um forte candidato à categoria "grata surpresa do ano" e o segundo à categoria "finalmente entendi o hype". Aguardemos. No mais, Taylor Swift continua sendo a minha melhor amiga famosa, o Fleetwood Mac continua sendo a principal banda (apesar de que acho que os Scorpions vão passar na frente) e o Michael Jackson roubou o topo da lista, mas isso nem é surpresa porque é isso que reis fazem mesmo.

ÁLBUNS



Bom, confesso que já imaginava que o Invincible (2001) estivesse em primeiro lugar porque eu realmente escutei esse álbum exaustivamente há alguns meses. Passei anos fingindo que não existia  e, obviamente, me arrependi. Álbum muitíssimo bom e injustiçado. Tay-Tay não poderia ficar de fora; primeiro, porque o reputation (2017) é ótimo; segundo, porque é a minha trilha sonora de treino, logo escuto com frequência. O HIStory (1995) está sendo quase como uma releitura, pois apesar de já conhecer quase todas as músicas, acho que só agora passei a prestar atenção nelas e me dei conta do quão pessoais e confessionais elas são. No mais, a única surpresa real na lista é o acústico dos Scorpions, que só comecei a escutar há duas semanas e estou realmente chocada que já esteja na quarta posição no ranking. É excelente, super recomendo.


FAIXAS



Olha, nem sei o que dizer e acho que a "culpa" é da minha playlist Michael Jackson para dias tranquilos. Da lista, destaco For All Time, que é lindíssima, uma das mais apaixonadas e sinceras do MJ. Speechless merece toda a sua atenção, pois tenho certeza que irá te deixar sem fala (ba-dum-dum-tss). E I CAN'T EVEN com Is It Scary, pois que MUSICÃO e eu não acredito que ficou esquecida em um EP de remixes. Por fim, mas jamais menos importante, a única faixa de artista diferente: Africa, da banda Toto, a melhor música do mundo. Nunca poderia ficar de fora de uma lista de músicas mais escutadas por mim.


20 de agosto de 2018

As Garotas (Emma Cline)



As Garotas, de Emma Cline, foi publicado em 2016 e chegou ao Brasil no ano seguinte pela editora Intrínseca. O livro é ambientado na Califórnia durante o verão de 1969 e traz a história de Evie Boyd, uma adolescente de catorze anos. Filha de uma família abastada - sua avó era uma estrela de Hollywood -, a jovem leva uma vida privilegiada e bastante comum para alguém da sua idade e em suas condições, porém tudo começa a mudar após o divórcio de seus pais, a decisão de a mandarem para um colégio interno no próximo ano letivo e um desentendimento com a sua melhor amiga.

É neste contexto de transformações que ela conhece um grupo de garotas que despertam o seu fascínio - tanto por suas aparências (parecem descuidadas, abandonadas e vestindo trapos), quanto por transmitirem uma sensação de liberdade. Não demora muito para que Evie comece a desenvolver um relacionamento com essas garotas, lideradas por Suzanne, a mais velha, e passe a frequentar o rancho no qual elas vivem como parte de um culto liderado por Russel Hadrick.

O livro tem como inspiração os crimes cometidos pela família Manson e desde o início já sabemos que algo horrível irá acontecer. Isso ocorre porque quem nos conta a história é Evie nos dias atuais, que começa a recordar o verão de 1969 em uma tentativa de enxergar os indícios da tragédia que passaram despercebidos pelo seu eu adolescente e compreender os motivos que levaram aos crimes. Em partes, soa como se ela assumisse a sua parcela de culpa e tentasse se redimir de alguma forma.

Quando soube de As Garotas, imaginei algo um pouco diferente. Ainda que sem muita certeza do que iria encontrar, tinha em minha mente que a história seria sobre o culto e sobre os crimes e, neste aspecto, não poderia estar mais enganada. E ainda bem que isso aconteceu, porque o que encontrei acabou por me agradar muito mais. Ainda que a vida no rancho e a dinâmica de Evie com seus membros seja uma parte crucial, a história é muito mais do que isso. É sobre crescimento, amadurecimento e sobre o quão vulneráveis e manipuláveis adolescentes, especialmente meninas, podem ser. Principalmente se considerarmos o quanto essa fase da vida é marcada pela busca por aceitação e pertencimento. 

Todos, depois, achariam inacreditável que qualquer envolvido com o rancho pudesse ter continuado naquela situação. Uma situação tão obviamente ruim. Mas Suzanne não tinha mais nada: ela entregara completamente sua vida a Russel, e àquela altura, era como algo que ele podia segurar nas próprias mãos (...). Suzanne e as outras garotas tinham perdido a capacidade de fazer certos julgamentos (...). Elas não tinham uma grande altura da qual cair - eu sabia que o simples fato de ser uma garota incapacitava sua habilidade de acreditar em si mesma
(Pág. 264)

Toda vez que leio algo ou paro para pensar sobre Charles Manson e seu culto, fico chocada com o poder de influência que ele tinha e, ao mesmo tempo, não consigo compreender como aquelas pessoas se permitiram cativar por ele. Em seu livro, Emma Cline talvez tenha conseguido me fazer enxergar o mundo pela perspectiva dessas pessoas e, de certa forma, compreender o quão doentia suas mentes podem se tornar.

Outro aspecto que chamou a minha atenção foi a ambientação criada pela autora e a maneira como sua escrita nos envolve naquela atmosfera. Tudo é bastante visual, de um jeito meio cinematográfico. As descrições que Evie faz do rancho, de sua casa, de suas roupas e das pessoas com quem conviveu rapidamente me transportaram para o fim dos anos 1960, com suas músicas e movimentos artísticos e de contracultura tão icônicos. Adoro quando um livro me proporciona esse tipo de experiência. Mais um ponto que preciso destacar é Suzanne, a personagem que mais me intrigou durante toda a leitura. Por apenas a conhecermos pela perspectiva de Evie, bastante ingênua aos catorze anos, Suzanne permanece enigmática do início ao fim. Por vezes, parece dócil e divertida, tão ingênua quanto Evie; em outros momentos, é mesquinha, manipuladora e bem assustadora. É impossível chegar ao fim da leitura e entender as motivações da personagem e, principalmente, o porquê de ela ter assumido determinada atitude mais para o fim do livro. Talvez, assim como Evie, o leitor também não consiga condenar Suzanne completamente.

Por fim, acho importante mencionar que o livro tem um desenvolvimento que pode ser considerado lento para aqueles que buscam algo com mais ação. Como disse, o livro é sobre Evie recordando a sua adolescência e menos sobre os crimes que ocorreram naquele período. Em diversos momentos, a leitura me lembrou As virgens suicidas, de Jeffrey Eugenides, outro livro com desfecho trágico, mas que é muito mais do que isso e que traz significados escondidos nas entrelinhas. No livro de Eugenides, Cecilia Lisbon fala sobre a dificuldade de ser uma adolescente e é possível perceber algo parecido na história de Evie. As Garotas é um livro melancólico que termina de um jeito amargo e que te deixa pensando sobre a história durante dias. Leitura recomendada!

7 de agosto de 2018

Poirot Investiga (Agatha Christie) | Hercule Poirot, #02

A edição em que li foi uma anterior lançada na coleção Rainha do Crime.

Poirot Investiga
, publicado em 1924, é o quinto livro escrito por Agatha Christie e o terceiro a trazer o famoso detetive belga Hercule Poirot. São catorze contos reunidos, nos quais mais uma vez acompanhamos as investigações de Poirot por meio da perspectiva de Arthur Hastings. Ao contrário do que ocorre com os romances em que os crimes costumam ser de assassinato, o que temos aqui é uma mistura de temáticas mais "leves" e que, de forma geral, não envolvem morte.

Em A aventura do Estrela do Ocidente, temos um caso de roubo de joia bem divertido e sobre o qual já escrevi melhor aqui. No segundo conto, A tragédia de Marsdon Manor, Poirot investiga um assassinato e achei o final surpreendente. A aventura do apartamento barato é um conto curioso, quase enigmático, e bastante confuso, mas que faz bastante sentido uma vez que as peças começam a se encaixar. O mistério de Hunter's Lodge é um caso solucionado à distância por um Poirot doente e acamado que envia Hastings em seu lugar, com a função de ser seus olhos e ouvidos. Achei O roubo de um milhão de dólares em obrigações do tesouro um pouco sem graça e previsível, porém intrigante. A solução está nos detalhes.

A aventura da tumba egípcia, apesar de não ter atingido as minhas expectativas, acabou por ser o melhor conto do livro, provavelmente por conta do cenário. Poirot e Hastings, após ler sobre as mortes de duas pessoas envolvidas em uma expedição arqueológica, vão até o Egito para investigar os acontecimentos. O roubo das joias no Grand Metropolitan é mais um caso de roubo de joias e, sinceramente, não gostei tanto. O mesmo digo sobre O Primeiro-Ministro sequestrado, que achei longo, confuso e com uma "pegada" mais de espionagem, que não é um dos aspectos que mais me agradam na obra de Agatha Christie. Em O desaparecimento do Sr. Davenheim, o caso é intrigante e me lembrou um pouco alguns aspectos de Assassinato no campo de golfe

A aventura do nobre italiano é também um dos meus preferidos. O conto começa com uma ligação misteriosa de um homem dizendo que está morrendo. Ao chegar ao local da morte, Poirot se atém à detalhes aparentemente irrelevantes, mas que logo se tornam a chave para a solução. Em O caso do testamento desaparecido, Poirot precisa ajudar uma jovem a encontrar o testamento deixado por seu tio antes que seja tarde demais. A dama de véu também é um caso em que os detalhes são essenciais para a solução, além de começar indicando um rumo e, de repente, se transformar em algo bastante diferente. Em A mina perdida e A caixa de bombons, Poirot conta para Hastings histórias do tempo em que trabalhou como investigador de polícia. Nesse último, irá relatar um caso no qual fracassou, revelando que até Hercule Poirot se engana.

***

De forma geral, gostei da leitura. É sempre complicado falar sobre livros de contos, já que de uns gostei mais e de outros gostei menos, ou quase nada. Uma das coisas que mais gosto quando estou lendo os casos do Poirot é poder compreender os processos de sua investigação, entender como suas células cinzentas funcionam e perceber como cada ponto da história tem seu nó. Porém, em Poirot Investiga isso quase não ocorre, já que os contos são curtos e suas soluções não demoram a surgir - na maioria das vezes, de forma abrupta e quase "mágica". O que mais me agradou foi a possibilidade de acompanhar a dinâmica entre Poirot e Hastings, compreendendo melhor o lado do narrador. Ainda que continue considerando Hastings um sujeito meio bobo e que mais atrapalha do que ajuda, compreendo que deve ser difícil lidar com alguém com uma personalidade tão forte e ego tão inflado como Poirot. Ao mesmo tempo, é bem legal perceber também que Poirot reconhece seus defeitos e valoriza a amizade de Hastings.

Por fim, não recomendaria Poirot Investiga como porta de entrada para aqueles que querem conhecer o trabalho de Agatha Christie. Também não acho que o livro seja um dos seus melhores trabalhos, devendo ser interessante apenas para quem já gosta da autora e de seus personagens.



5 de agosto de 2018

Power Ballads: uma playlist de rock para dias de angústia e melancolia

Tenho muito carinho pelas power ballads, um gênero bastante sentimental e que acho que merecia ser analisado com mais atenção. Aos não muito familiarizados com o termo, eis aqui uma breve explicação: as power ballads são aquelas músicas mais lentas e cheias de emoção das bandas de hard rock / glam metal que fizeram bastante sucesso principalmente na década de 1980. Não sei explicar muito bem o que me atrai nelas, mas muito me fascina a união de letras intensas e bregas, belos arranjos de guitarra e vocais dramáticos de vocalistas trabalhados na estética farofenta da época. Couro, botas, lenços e bandanas, cabelos longos calculadamente volumosos e cheios de laquê, gelo seco e gritos, muitos gritos. Tudo bem espalhafatoso mesmo, pois o importante é impactar.

Se a sonoridade regular das bandas pende mais para o lado tiro-soco-porrada do rock, evocando bastante agressividade, a mesma intensidade se mantém quando o tema é o famigerado coração partido ou a angustiante crise existencial. Se a raiva é retratada com berros e distorções, a dor se apresenta de forma semelhante, porém por meio de ritmos mais lentos, melodias mais tristes e tons melancólicos. E os gritos são um show à parte, já que ninguém é capaz de sofrer como o roqueiro dos anos 1980 que se depara com a desilusão. Ainda que um tanto ~rústica~, a poesia de suas letras, com metáforas sobre espinhos e menções à cartas de amor na areia, também contribui para esse efeito e mostra que dentro de cada marmanjo bate um coração, e esse coração sente dor e sangra.

A estética dos clipes, por outro lado, é quase sempre bastante questionável e grotesca, e só deve fazer sentido dentro do contexto em que foram concebidas. Praticamente todos envolvem elementos aleatórios e que pouco têm a ver com a ideia geral das músicas, como imagens da banda em shows ou bastidores e mulheres dançando com roupas esvoaçantes ou apenas em poses sensuais de loungerie. Com sorte, contam alguma historinha para acompanhar a música, mas mesmo nesses casos, não estão imunes aos já citados aspectos aleatórios.

Ignorando estes fatores, e pensando no sentimentalismo, decidi reunir vinte e seis power ballads em uma lista. Assim, sem mais delongas, senhoras e senhores, peguem seus fones de ouvido e uma caixinha de lenços, segurem na minha mão e apertem o play.


#01 Hysteria - Def Leppard
#02 Every Rose Has Its Thorn - Poison
#03 I Remember You - Skid Row
#04 Don't Cry - Guns N' Roses
#05 Still Loving You - Scorpions
#06 I Still Think About You - Danger Danger
#07 Is This Love - Whitesnake
#08 Love Walked In - Thunder
#09 Alone Again - Dokken
#10 I Want To Know What Love Is - Foreigner
#11 Just Take My Heart - Mr. Big
#12 Send Me An Angel - Scorpions
#13 Dust In The Wind - Kansas
#14 Bed of Roses - Bon Jovi
#15 November Rain - Guns N' Roses
#16 Quicksand Jesus - Skid Row
#17 Here I Go Again - Whitesnake
#18 Angel - Aerosmith
#19 Looking For Love - Whitesnake
#20 To Be With You - Mr. Big
#21 Angel - Judas Priest
#22 Nothing Else Matters - Metallica
#23 Wind of Change - Scorpions
#24 Patience - Guns N' Roses
#25 Dream On - Aerosmith
#26 Mama, I'm Coming Home - Ozzy Osbourne